31.3.07

Liberdade de movimentos

Foto: André Valentim/StranaJuliana na Lagoa: "Fico feliz ao encontrar lugares bem adaptados"

Veja Rio, 04/04/2007:

SERVIÇO

Liberdade de movimentos

Onde os deficientes físicos têm mais facilidade de acesso

LÍVIA DE ALMEIDA

A publicitária Juliana Oliveira, de 28 anos, adora freqüentar a Lapa – principalmente as noitadas no Circo Voador e no Teatro Odisséia. Costuma dar longos passeios sozinha pela orla da Lagoa, tomar chope com o namorado no Manoel & Juaquim do Largo do Machado e freqüentar os teatros do Shopping da Gávea. No Carnaval, não perde o desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. O acesso de Juliana a esses programas só é possível porque cada vez mais estabelecimentos e atrações turísticas da cidade fazem adaptações ou são construídos de forma a receber portadores de deficiência física, com rampas que facilitam a circulação de cadeiras de rodas, elevadores e banheiros adequados. Juliana tornou-se tetraplégica dez anos atrás, depois de um acidente de automóvel. Hoje trabalha em uma indústria química em Jacarepaguá e apresenta o Programa Especial na TV Educativa, voltado para os portadores de deficiência. “Adoro sair e fico feliz por encontrar lugares bem adaptados, como o Circo Voador”, conta. “Lá há rampas que permitem que eu escolha se assisto ao show da platéia ou da arquibancada. Sinto-me bem-vinda.”

A acessibilidade, entretanto, ainda está longe de ser uma regra, apesar de garantida pelo Decreto Municipal nº 5 296, de dezembro de 2004. “Tenho duas frustrações: não conseguir ir ao Teatro Municipal nem ao Parque Lage”, afirma Juliana. Casas noturnas que funcionam em antigas construções costumam ser de difícil acesso para os cadeirantes, como o Centro Cultural Carioca, na Praça Tiradentes, ou o Cabaret Kalesa, na Praça Mauá, cujo acesso é feito por longas escadarias. Mas existem exceções. O Rio Scenarium, na Rua do Lavradio, é um bom exemplo de um sobrado de época adaptado para garantir a circulação de todos. A administradora de empresas Ana Claudia Monteiro é fã da casa. “Tem rampas de acesso e um elevador com tamanho suficiente para caber minha cadeira e mais dois acompanhantes. Fico sempre no 2º andar”, aprova.

O jornalista Andrei Bastos, responsável pelo setor de comunicação do Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos de Pessoas com Deficiência (IBDD), chama atenção para o fato de que poucos museus e prédios históricos da cidade são acessíveis. “Por se tratar de estruturas tombadas, sua adaptação é complicada”, explica Andrei, que anda com o auxílio de muletas. “Às vezes, o Patrimônio Histórico alega que a instalação de rampas pode desfigurar o bem.” Em alguns casos, não faltam boas intenções. O Museu do Índio, em Botafogo, dispõe de um banheiro adaptado no térreo. “Mas não há rampas nem elevadores que dêem acesso à sala de exposições, no 2º andar”, aponta Andrei. Ele está organizando um guia de acessibilidade dos hotéis, casas noturnas e atrações de interesse turístico e cultural para ser lançado em agosto, época do Parapan-Americano.

A apresentadora Juliana Oliveira diz que muitas vezes os portadores de deficiência nem imaginam que existem várias atrações acessíveis na cidade. Chegar aos pés do Cristo Redentor, por exemplo, é possível. “Há elevadores e escadas rolantes capazes de levar as cadeiras de rodas”, conta. “Dá para tirar aquela foto clássica lá em cima, com a estátua no fundo.” O Pão de Açúcar tem um elevador para levar até a plataforma de onde sai o bondinho, na Urca. Mas ali, alerta Juliana, é preciso ter cuidado. “Às vezes há um vão entre a plataforma e o vagão.” Passear pela orla da Lagoa é um dos programas favoritos da apresentadora. Existem rampas de acesso para os quiosques e em alguns dos deques que descem até o espelho-d’água, nas imediações do Parque dos Patins. O Maracanã, recém-reformado, agora possui lugares especiais para os cadeirantes em todos os setores e banheiros adaptados. “A acessibilidade não é um benefício exclusivo para a pessoa com deficiência”, lembra Andrei Bastos. “Ela melhora a qualidade de vida de todo mundo, ao facilitar a circulação.”

* A partir desta edição, Veja Rio inclui em seu Roteiro da Semana o ícone (símbolo internacional de acessibilidade) para indicar os locais que oferecem facilidades de acesso aos portadores de deficiência.

30.3.07

Modernidade

Hoje eu concluí que de fato e finalmente chegamos à modernidade, não sem ouvir o lamento do meu lado masculino. Aconteceu que no meio da tarde, entre um compromisso e outro, fui descansar os ossos num banco dos jardins do Museu da República, no Catete. A tarde estava bonita, com o sol atravessando as copas das árvores e muitas crianças, mamães e namorados completando um belo quadro da existência. Foi um detalhe deste quadro, aparentemente despercebido por todos, que me levou à conclusão acima: sobre uma pedra, no meio do gramado e às margens do lago, duas jovens e belas moças trocavam intensas carícias e longos beijos na boca. Sem dúvida era uma cena linda. E como é lindo o amor…

Em outros tempos, mesmo sendo com protagonistas de sexos opostos, com certeza logo apareceria um guarda truculento, um verdadeiro animal, para interromper, às vezes até bruscamente, tal cena de amor.

Não é um sinal dos tempos?

*Escrito em 6 de julho de 2001 - 18:38

21.3.07

Um Brasil para todos nós

Jornal Terceiro Tempo, edição 355, 16 a 31/03/2007:

O jornalista Andrei Bastos concedeu esta entrevista ao Terceiro Tempo sobre as reivindicações do movimento dos deficientes físicos do Brasil.

Andrei: quantos milhões de deficientes o Brasil possui? Existe um levantamento preciso?

Antes de responder é preciso fazer uma importante correção, que não é apenas uma questão de semântica: não devemos dizer "deficientes" e sim "pessoas com deficiência". O motivo é que não podemos atribuir um valor, que a palavra "deficiente" contém, ao desempenho pessoal ou profissional de alguém em razão de alguma deficiência. Realmente é difícil encontrar uma palavra que defina com precisão e justiça tal condição, em qualquer idioma. Creio que aos poucos, e interiorizando conceitos, a gente chega lá.

Agora respondendo à pergunta, no Censo 2000, o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas indicou que 14,5% da população brasileira tinham algum tipo de deficiência, o que dá 24,5 milhões de pessoas e coloca a impossibilidade de se ignorar este contingente.

Os deficientes físicos começaram a se organizar há quanto tempo no Brasil? É possível fazer um histórico de sua luta pela dignidade e recuperação/ampliação da cidadania?

A proteção legal das pessoas com deficiência tem início em 17 de outubro de 1978 com a Emenda Constitucional número 12, de autoria do então deputado federal Thales Ramalho, que, a despeito de suas poucas palavras e de seu caráter genérico, foi muito importante porque reconheceu a existência civil dessas pessoas ("É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica, especialmente mediante: I - educação especial e gratuita; II - assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do País; III - proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço público e salários; IV - possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos").

Depois da iniciativa de Thales Ramalho, a primeira lei abrangente e completa de defesa dos direitos das pessoas com deficiência brasileiras é a 7.853, de 24 de outubro de 1989, no governo de José Sarney, que "dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências". Sua idealizadora, e primeira dirigente da CORDE, foi Teresa Costa d'Amaral, que mais tarde, em 1998, criou o IBDD - Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência, no Rio de Janeiro (www.ibdd.org.br). O IBDD é uma organização não governamental, filantrópica, que vive de prestação de serviços e contribuições de empresas privadas, sem uso de dinheiro público.

Antes dessa lei, existiam no Brasil muitas instituições voltadas para o segmento, mas todas de natureza assistencial. Destacam-se nesse período, e depois dele, o Instituto Benjamin Constant, fundado pelo Imperador em 17 de setembro de 1854 como "Imperial Instituto dos Meninos Cegos", o INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos, fundado em 26 de setembro de 1857 pelo Imperador e pelo educador francês Eduard Huet como "Instituto Nacional de Surdos-Mudos", e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), criada no Rio de Janeiro no dia 11 de dezembro de 1954 e que, em 1989 já contava com mais de 200 unidades espalhadas por todo o país. Depois da lei 7.853, surgiram outras tantas entidades, tanto no âmbito do Estado quanto na sociedade civil, na forma de instituições governamentais ou Ongs quase sempre dedicadas a deficiências específicas. Portanto, como aquelas instituições mais antigas tinham caráter profundamente assistencialista, o correto é dizer que a luta pela emancipação e inclusão social das pessoas com deficiência brasileiras começou em 24 de outubro de 1989, embora há apenas cinco anos, aproximadamente, a lei 7.853 tenha tido sua existência percebida e considerada pela sociedade.

Hoje podemos identificar duas vertentes no Movimento das Pessoas com Deficiência no Brasil. Uma, de reivindicação política e social, tem como foco a luta pela conquista da cidadania plena e é formada por associações e instituições como o IBDD e, outra, que age no sentido da assistência e da afirmação individual e é representada, principalmente, pela APAE e pelo CVI, sendo que este último também alcança a questão da cidadania.

Uma das reivindicações do movimento implica a adoção de um Estatuto da Pessoa com Deficiência. O que vem a ser isso?

A bem da verdade, o Estatuto da Pessoa com Deficiência não é uma reivindicação do Movimento ou das pessoas com deficiência de modo geral. Quem primeiro teve essa idéia infeliz foi o senador Paulo Paim, do PT, que parece ter mania de estatuto. Agora mesmo está sendo vigorosamente combatida na Câmara sua proposta de Estatuto da Igualdade Racial. É tudo um grande equívoco, ou má-fé absoluta. Afinal, estatutos se originam nos grupos de indivíduos que resolvem estabelecer regras comuns para a existência de seu grupo e, com a concordância de todos, estabelecem seus direitos e deveres. Como não foi assim que aconteceu, só podemos classificar tal iniciativa como boa-fé equivocada ou oportunismo político mesmo.

Além disso, outra vez ressaltando que não se trata de uma discussão semântica, o conceito de estatuto incorporou, independente de seu significado real, a característica de expressar a tutela de incapazes, coisa que as pessoas com deficiência estão longe de ser, pois a maioria delas tem qualificação intelectual e profissional, estuda ou trabalha e é perfeitamente capaz de lutar pelos seus direitos, não precisando que ninguém o faça por elas. Até podemos admitir que seja exercida tutela com crianças e adolescentes e com idosos, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso, já que estas são pessoas que, pela idade ou pela condição física são incapazes de lutar pelos seus direitos. Elas são exceções e, como tal, podem receber tratamento excepcional.

Ao contrário do que aparenta, e no sentido inverso de todas as conquistas obtidas até agora, o Estatuto da Pessoa com Deficiência representa um retrocesso, na verdade reforçando a discriminação e prejudicando de vez o processo de inclusão social e pleno exercício da cidadania pelas pessoas com deficiência.

Outra grande preocupação concerne o problema dos transportes...

Sim, e não é apenas uma grande preocupação. A questão dos transportes coletivos é a primeira barreira a ser vencida. Sem ter respeitado seu direito humano fundamental e constitucional de ir e vir, as pessoas com deficiência não podem estudar, trabalhar ou ter lazer. A desobediência sistemática às leis que determinam a adaptação dos ônibus e outros meios de transporte são, na verdade, verdadeiro crime contra a humanidade e deveria ser punida com máximo rigor. Esta é a primeira linha de combate das pessoas com deficiência e é preciso sermos intransigentes com esse desrespeito praticado pelas empresas de ônibus, que são concessionárias de um serviço público e, por isso, obrigadas a atender as necessidades de todos os cidadãos.

Os deficientes vêm reivindicando, igualmente, uma Lei de Cotas. Explique isso também.

Em tese, a lei de cotas é tão auto-discriminatória quanto o estatuto. Mas existe uma diferença que começa pela questão conceitual, já que uma lei ordinária integra a Constituição, que é o estatuto de todos os cidadãos, reduzindo seu caráter estigmatizante e possibilitando que seja aceita como instrumento de aceleração do processo de inclusão social. Já existe lei de cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho e como as empresas têm a alternativa de patrocinar cursos profissionalizantes, diante da eventualidade de não verem atendidas suas necessidades de contratação de profissionais, o segmento obtém aí a conquista da qualificação profissional. Na Educação, o problema é a falta de acesso, tanto por questões do espaço físico como pela falta de métodos de ensino adequados e professores preparados.

A experiência de outros países tem ajudado os deficientes brasileiros na formulação de políticas sociais, cidadãs? Dê exemplos.

A rigor, o maior exemplo foi dado pelos EUA, e por força de uma grande tragédia. As mudanças radicais começaram a acontecer quando os soldados que lutavam na guerra do Vietnã, heróis nacionais, regressaram para casa mutilados e com grande prestígio político. Prestígio político que era ainda maior em vista da impopularidade da guerra, questionada por toda a sociedade americana de então. Com o ânimo reforçado pela contestação da sociedade, os soldados voltavam pra casa exigindo seus direitos por uma cidadania plena e tiveram suas reivindicações atendidas pelo governo que, tanto quanto o resto da sociedade com grande sentimento de culpa, não tinha outra saída. Dessa maneira as pessoas com deficiência dos EUA conseguiram fazer com que a acessibilidade material e imaterial se integrasse à sua cultura, oferecendo para o mundo um belo exemplo de sociedade para todos.

Depois dos Estados Unidos, podemos citar Canadá, Austrália, Reino Unido, Japão, Nova Zelândia, Itália e Espanha como países que se destacam no atendimento às necessidades especiais das pessoas com deficiência. A Espanha oferece uma história interessante de processo de inclusão social: de início, para favorecer as pessoas cegas, o governo entregou a administração das loterias para elas. Com o tempo os cegos espanhóis ficaram tão ricos que abriram as loterias para a participação de pessoas com outras deficiências, que também ficaram ricas. Ou seja: nada como ser pessoa com deficiência espanhola hoje em dia.

Celi Menezes Bomfim

O Globo, Obituário, 21/03/2007:

Celi Menezes Bomfim, 71 anos

Nascida no Rio, desde muito cedo Celi Menezes Bomfim dedicou sua vida às causas sociais. Inicialmente, como membro do Partido Comunista Brasileiro e, mais tarde, como fundadora da Casa de Francisco de Assis (CFA), entidade filantrópica que desde 1975 presta assistência às comunidades carentes de Laranjeiras e Cosme Velho. No antigo casarão da Rua Alice, a CFA oferece atendimento espiritual, médico, odontológico, psicológico, jurídico e alimentar, através da distribuição mensal de cestas básicas.

Mas o grande orgulho de Celi foi a criação da Creche Santa Clara, que funciona no antigo casarão e abriga 80 crianças carentes. Foram mais de 30 anos de trabalho obstinado, para o qual contou muito com a ajuda dos amigos e freqüentadores da CFA e pouco com o apoio do poder público. Deixa viúvo o advogado Benedito Calheiros Bomfim, duas filhas e cinco netos. Faleceu anteontem, aos 71 anos, no Hospital Samaritano.

20.3.07

Tenho mais o que fazer

ANDREI BASTOS

Qual não foi minha surpresa ao verificar que o grande envelope pardo com o timbre "Poder Judiciário / Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro" continha uma "Notificação" para mim. É verdade que não deu para me sentir importante tal é o ridículo do dito documento. Bem que o supracitado Poder e o respectivo Tribunal poderiam estar empregando melhor o dinheiro público! Explico: fui candidato a deputado federal nas eleições de 2006 sem lenço e sem documento, ou seja, sem um tostão furado e muito menos "padrinhos" de qualquer tipo de máfia. Recebi doações da empresa de um irmão, da minha filha e de um amigo, o que totalizou a fantástica quantia de R$ 1.305,00. Gastei com despesas diversas e muitas tarifas bancárias exatamente R$ 1.304,68, o que deixou um saldo nada desprezível de R$ 0,32 no banco, mas que eu desprezei.

Agora recebo da Justiça Eleitoral este "Relatório Preliminar para Expedição de Diligências" e esta "Notificação", com prazo de 72 horas, para apresentar documentos e nova prestação de contas. Os digníssimos funcionários públicos autores de tão importantes documentos solicitam que eu "apresente para auditoria os canhotos dos recibos eleitorais utilizados" e "apresente para auditoria extrato bancário, abrangendo todo o período da campanha eleitoral". Sinceramente? Eu tenho mais o que fazer! E tão importantes e bem-sucedidos empregados públicos também deveriam ter mais o que fazer, particularmente em vista de tanta roubalheira e caixa dois, "coisa que todo mundo no Brasil sempre fez", como disse nosso presidente da República na famosa entrevista de Paris. Se quisessem e tivessem mais o que fazer, com certeza nossos funcionários heróis encontrariam números com muitos zeros a mais à direita dos valores das minhas contas.

Como não tenho mais nenhum documento referente à campanha eleitoral, vou até lá dizer isso a eles. Se eu não voltar porque me prenderam, desperdiçando mais ainda o dinheiro público, peço que de vez em quando alguém me leve alguns jornais e revistas para que eu me divirta com esse mundo de malucos otários.